As investigações sobre o assassinato da vereadora do Psol Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e seu motorista, Anderson Gomes, apresentam uma série de desafios para a Polícia Civil e o Ministério Público estadual, que estão à frente do trabalho.

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A munição nove milímetros, que matou Marielle e Anderson, é a mais utilizada por criminosos no Brasil. Além de ser mais barata do que munição de outro calibre, a disponibilidade no mercado negro e no exterior é maior. Em agosto do ano passado, o comando do Exército publicou uma portaria que permite a compra de armas desse calibre por policiais civis e militares para uso pessoal, fora do trabalho.

A Polícia Civil já descobriu que a munição utilizada no crime é original – não foi recarregada. Trata-se de um lote vendido para a Polícia Federal de Brasília em 2006, o mesmo usado na maior chacina de São Paulo, quando 17 pessoas morreram em Barueri e Osasco, em agosto de 2015, e também nos assassinatos de cinco pessoas em guerras de facções de traficantes em São Gonçalo, região metropolitana do Rio.

Na sexta-feira, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, comunicou que a munição pertencia à PF e foi roubada da sede dos Correios na Paraíba. Entretanto, um dia depois, os Correios informaram não ter conhecimento do furto de balas no estado.

O conflito de informações pode ser um exemplo da dificuldade de rastreamento de uma munição que está há cerca de 12 anos em circulação, um dos principais desafios para os investigadores. Além disso, a Delegacia de Homicídios descobriu que a placa de um dos dois carros que participaram do crime, identificada pelos agentes, era clonada.

“Profissionalismo” da execução

Apesar dos obstáculos, o promotor do MP-RJ à frente do inquérito, Homero Freitas, diz que será possível encontrar os autores do crime. “As dificuldades são muitas, mas não intransponíveis. É possível rastrear as munições e estamos, Delegacia de Homicídios e Ministério Público, tentando identificar e localizar os veículos utilizados pelos criminosos”, afirmou. Sem dar informações mais detalhadas, devido ao sigilo do caso, ele garantiu ser possível rastrear o trajeto dos veículos antes e depois do assassinato.

Na madrugada do último domingo (18/03), a Polícia Civil de Minas Gerais apreendeu um carro que pode ter sido usado no assassinato da vereadora e seu motorista, no município de Ubá. De acordo com a PC mineira, “tudo leva a crer” que seja um dos veículos utilizados no crime, mas a confirmação dependia de uma perícia a ser feita por agentes do Rio de Janeiro que estavam no município.

Devido ao complexo contexto criminal do Rio, não é possível apontar uma linha clara de investigação a ser adotada. Freitas ressalta que nenhuma possibilidade deve ser descartada. “Os indícios ainda não permitem apontar para alguém, individualmente, ou qualquer grupo”, acrescenta.

Como não houve tentativa de assalto ao carro onde estavam Marielle, uma assessora e o motorista, a hipótese de execução é praticamente uma certeza. Ela foi seguida por dois automóveis após sair de uma roda de conversa chamada “Jovens negras movendo as estruturas”, no bairro boêmio da Lapa, no centro do Rio, e alvejada por quatro tiros na cabeça. Ao todo, nove disparos foram direcionados ao veículo que transportava a vereadora.

O grau de “profissionalismo” na ação levantou suspeitas sobre a participação de agentes policiais no crime. Como a vereadora denunciou a atuação do 41º Batalhão de Polícia Militar na favela de Acari poucos dias antes de sua morte, o alvo de parte da opinião pública se direcionou à PM. Em todos os protestos realizados pela morte da vereadora desde a última quarta-feira (14), os manifestantes pediam o fim da Polícia Militar e acusavam a corporação de “matar preto todo dia”.

Milícia e tráfico

A Delegacia de Homicídios investiga, também, a possível participação da milícia no crime. Trata-se de grupos formados em 2005 por policiais, bombeiros e agentes penitenciários que ofereciam ilegalmente serviços de segurança, sinais clandestinos de TV a cabo e fornecimento de gás em regiões pobres e carentes desses serviços.

Em 2008, a vereadora participou ativamente na CPI das Milícias, uma Comissão Parlamentar de Inquérito formada na Assambleia Legislativa do Rio para investigar a atuação desses grupos. Na época, Marielle era assessora do deputado Marcelo Freixo (Psol), que presidiu a CPI. O relatório dos trabalhos pediu o indiciamento de 225 pessoas, ligadas às categorias citadas acima e à classe política. Desde então, Freixo se desloca acompanhado por seguranças e chegou a sair do país por duas semanas, em 2011, a convite da Anistia Internacional, quando as ameaças recebidas se intensificaram.

Um promotor do MP estadual que investiga a ação das milícias há anos disse à DW considerar improvável a participação desses grupos no assassinato da vereadora. “Tudo o que a milícia não quer neste momento é chamar atenção. Eles estão ganhando muito dinheiro, pois se associaram com o tráfico em várias comunidades da Zona Oeste. Além disso, o crime aconteceu no Estácio, uma área dominada pelo Comando Vermelho. É arriscado para a milícia rodar ali”, explica, em condição de anonimato.

Ele também não descarta o envolvimento de traficantes na ação. “A vereadora contava com a simpatia de ONGs que atuam em comunidades. Se tiver havido mudança de comando em alguma delas, pode ser que o novo grupo tenha se incomodado com a atuação da ONG e resolva fazer alguma coisa contrária. Com tantas possibilidades a ser analisadas, fica difícil seguir uma única linha”, avalia.

 

 

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