Em outubro de 2017, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, sofreu o maior incêndio de sua história. Foram queimados 65 mil hectares de terra, cerca de 25% da área total da reserva, o equivalente a metade da cidade do Rio de Janeiro. Caso tivesse ocorrido antes da última ampliação do parque, em junho de 2017, o incêndio teria destruído entre 80% e 90% da vegetação.
A ampliação, aliás, é apontada por ambientalistas como o verdadeiro motivo do desastre. Por ter ocorrido em outubro, depois do período de seca, quando geralmente acontecem as queimadas naturais, eles acreditam que o incêndio tenha sido criminoso, provocado por fazendeiros insatisfeitos com o aumento do tamanho da reserva.
Em relatório sobre os incêndios obtido pela National Geographic, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério do Meio Ambiente, chama a atenção para a dispersão e a quantidade de focos de queimadas – pelo menos cinco. Para o instituto, o número indica que as ações podem ter sido coordenadas e resultado das ameaças feitas durante as consultas públicas sobre a ampliação da reserva em 2015. Além disso, alguns desses focos teriam sido iniciados depois dos aceiros – faixas de terra queimadas propositalmente para impedir o avanço do fogo.
“O fogo saltava mais de 10 metros, atingia o outro lado da estrada, era impressionante” comentou comigo um dos brigadistas voluntários, enquanto sobrevoávamos a região para monitorar os focos de incêndio. No total, 110 brigadistas trabalharam no combate às chamas. Voluntários também ajudaram ao criar a Rede Contra Fogo, que mobilizou habitantes das três principais cidades da região – Alto Paraíso de Goiás, São Jorge e Cavalcante – e recolheu doações do Brasil inteiro.
Estive na Chapada durante o incêndio para cobrir o esforço desses brigadistas do Corpo de Bombeiros do estado de Goiás e de funcionários do ICMBio. Eles combatiam exaustivamente, dia e noite, o incêndio florestal que durou 15 dias. Pouco mais de quatro meses depois, voltei à região. Dessa vez, para acompanhar um grupo de pesquisadores que pretendiam avaliar os impactos das queimadas na Chapada dos Veadeiros.
O fogo não é novidade na região. No Cerrado, queimadas decorrentes de circunstâncias naturais, como combustões espontâneas e raios, promovem uma dinâmica característica do bioma. As árvores de troncos retorcidos e cascas grossas são fruto desse histórico ligado ao fogo, que provocou mecanismos de adaptação dos vegetais. Mas a ação pirotécnica malconduzida pelo ser humano provoca estragos nos biomas brasileiros e os altera profundamente.
Atear fogo para “limpar” a vegetação da área antes de começar qualquer atividade rural, por exemplo, é uma prática enraizada na cultura brasileira e responsável por inúmeros casos de incêndios florestais no Cerrado e na Amazônia. Entre as maiores vítimas, além da vegetação, estão os pequenos mamíferos, os anfíbios, os répteis e algumas aves que não conseguem escapar do fogo e acabam carbonizadas.
Para compreender o impacto do incêndio que atingiu a Chapada dos Veadeiros em 2017, a Fundação Boticário promoveu uma expedição liderada pelo professor da Universidade de Viçosa Fabiano Mello à Serra do Trombador – uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) vizinha ao Parque Nacional, que teve 90% de sua área devastada pelas chamas. A RPPN fica a cerca de 16km dos limites do Parque.
Biólogos e engenheiros florestais foram divididos em quatro equipes com focos distintos: estudar aves, anfíbios, pequenos mamíferos e fazer o inventário florestal. O objetivo era investigar como a fauna e a flora do Cerrado se recuperaram nos quatro meses que se sucederam à tragédia.
Para o geógrafo Fillipe Tamiozzo, há uma carência de estudos acadêmicos para avaliar o impacto dos incêndios florestais na fauna. “Mamíferos de médio e grande porte conseguem escapar do fogo e alterar suas áreas de incidência em busca de alimentos, os vegetais não”, diz ele. As amostragens coletadas pela equipe ainda serão avaliadas em laboratório para análises mais detalhadas do estrago causado pelo incêndio, mas a perspectiva é preocupante.
“O Cerrado é a savana mais rica em biodiversidade do planeta, e o impacto do incêndio provocou perda de grande parte da vegetação e diminuiu os alimentos e a abundância e variedade de espécies”, diz Fabiano Melo. O número baixo de animais encontrados pelos pesquisadores indica que eles voltaram ao lugar antes queimado, mas acreditam que a saúde do Cerrado retorna a um patamar apenas regular.
O trabalho de campo começa antes do nascer do Sol. Ouve-se claramente os cantos dos pássaros numa sinfonia que acaricia os ouvidos. Acompanho o biólogo Diego Afonso, que capta os cantos dos pássaros com um microfone e um gravador de som. Para atrair os animais, ele aperta play em seu celular conectado a uma caixa de som portátil. “Olha um macho se aproximando para defender seu território”, diz. Também pela manhã as equipes que investigam a incidência de pequenos mamíferos preparam seus equipamentos para a jornada diária.
Durante uma semana, pudemos observar poucos mamíferos de grande porte ou no topo da cadeia alimentar, como a onça. Contudo, durante as noites, tivemos uma visita recorrente e inesperada no alojamento: um lobo-guará. O animal, cujas características são a solidão e a preferência por se distanciar de humanos, veio revirar as lixeiras da casa durante a madrugada. “Esse comportamento demonstra claramente o impacto que os mamíferos maiores sofreram com o fogo. Há escassez de alimento e por isso ele vem onde o alimento está mais fácil”, comenta Natacha Sobanski, consultora ambiental da Fundação Boticário.
Expedições multidisciplinares como esta que acompanhei são fundamentais para verificar os reais impactos dos incêndios florestais na fauna e flora dos biomas brasileiros. O fogo é um elemento da natureza de difícil controle. As práticas de queimadas de pastagem poderiam ser evitadas se houvesse políticas públicas ou privadas eficientes na transformação deste hábito rural, que ainda hoje prejudica as florestas brasileiras.
Fonte: National Geographic
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