O Congresso já deu seu aval à intervenção federal no Rio de Janeiro, ordenada pelo presidente Michel Temer. Com isso, um general ficará responsável por comandar o aparato estadual de segurança e eventuais ações contra o crime organizado.

Segundo o especialista alemão em missões de paz e sua relação com a segurança pública Christoph Harig, do Instituto do Brasil no King’s College London, as chances de sucesso ao envolver mais uma vez os militares no combate ao crime “são muito baixas”.

Segundo ele, a medida é um golpe publicitário do impopular presidente Michel Temer e ajuda a banalizar o emprego dos militares na segurança pública. Além disso, em caso de sucesso, pode acabar gerando uma dispersão das atividades criminosas a estados vizinhos.

De acordo com Harig, que estuda a relação da missão de paz do Brasil no Haiti com a militarização da segurança interna, o país está preso em um ciclo: o uso dos militares alivia a pressão da modernização das policiais estaduais e alimenta a percepção de que as Forças Armadas são uma solução. Mesmo quando os militares inevitavelmente não produzem os resultados esperados, as autoridades redobram a aposta.

DW Brasil: Qual é a justificativa para essa intervenção na segurança pública com o emprego mais uma vez dos militares?

Harig: Embora o crime no Rio esteja em ascensão ultimamente, a intervenção serve a propósitos políticos. Se o governo estivesse genuinamente preocupado em conter a violência desenfreada, eles então teriam que considerar intervir na segurança de algum dos outros nove estados brasileiros com taxas de homicídio mais altas do que o Rio. A intervenção é um golpe publicitário de um presidente extremamente impopular. Considerando os altos índices de crimes pelo país e uma população que apoia uma abordagem dura na segurança, não é surpreendente que a intervenção seria recebida com apoio (83% dos cariocas são a favor, segundo pesquisa Ibope).

O general da reserva Augusto Heleno defendeu em uma entrevista a adoção de uma “regra de engajamento altamente flexível” para os militares envolvidos na intervenção, tal como ocorreu na missão brasileira no Haiti. Quais os riscos de usar força no Rio dessa forma?

O General Heleno é certamente uma das vozes mais beligerantes – é importante lembrar que generais da reserva não necessariamente representam a atitude oficial da liderança do Exército. No entanto, entrevistas e pesquisas que realizei com ex-participantes de missões de paz realmente mostram que alguns oficiais querem que as missões internas sigam regras similares de engajamento.

Também querem as mesmas garantias de proteção legal para os soldados que participaram da missão da ONU no Haiti – onde o Brasil alcançou contra as gangues um sucesso considerável com o uso de força ofensiva. Só que essas regras de engajamento defendidas pelo general Heleno também provocaram a morte de vários inocentes em Porto Príncipe.

O comandante do Exército já pediu um debate na sociedade sobre a aceitação de vítimas inocentes na luta contra o crime organizado, mas há um risco real de que as classes alta e média brasileiras considerem a perda de vidas entre os pobres como um mal necessário na luta contra grupos armados –  da mesma forma que as elites brasileiras não parecem se importar muito com os pobres que são vítimas da violência policial e com os policiais que são assassinados.

Abusos e ineficiência das polícias alimentam há anos uma campanha pela desmilitarização dessas forças, mas episódios como o da intervenção mostram que a militarização está sendo reforçada. Quais são as consequências disso para a segurança?

Os objetivos de desmilitarizar o setor de segurança – ou, pelo menos, de projetos como as UPPs, que teoricamente procuravam tirar a ênfase no uso da força – não estão de fato avançando. Em um país em que mais da metade da população concorda com a afirmação “bandido bom é bandido morto” é difícil que os políticos defendam uma abordagem menos confrontativa na segurança. Não é irracional sugerir que um eventual fracasso das Forças Armadas no Rio vai apenas provocar mais apelos pela militarização em vez de uma reconsideração da abordagem.

Os militares correm o risco de se verem em uma enrascada política ao tomarem parte na intervenção?

Sim. As ações dos militares estão se tornando cada vez mais políticas conforme a atuação deles passa a influenciar as eleições presidenciais. Colocar formalmente um general como responsável pelas políticas de segurança significa que as operações dos militares estão se tornando tema de contestação política. Candidatos da direita como Bolsonaro podem acabar defendendo uso ainda mais robusto de força.

E o que os militares têm a ganhar com esse tipo de operação, mesmo com os riscos envolvidos?

Não acho que os militares tenham muito a ganhar com essa situação. Eles podem conseguir arrancar concessões legais favoráveis para suas ações e aumentar seu poder de barganha (por exemplo, barrando inciativas de reforma da Previdência para seus membros), mas no fim eles têm muito mais a perder. Embora melhorar significativamente a situação do Rio possa significar grandes ganhos em aprovação popular, considero que as chances de um “sucesso” real são muito baixas.

Qualquer coisa que os militares escolherem fazer agora pode ser usado para acusá-los de falhar. Se eles não empregarem altos níveis de força, a direita política e os linhas-duras podem acusar a liderança de inação. Se adotarem uma estratégia mais ofensiva, correm o risco de matar compatriotas brasileiros e de perder alguns de seus próprios homens.

Mesmo uma vitória rápida contra algum dos grupos armados do Rio provavelmente não vai garantir uma melhor situação no longo prazo. Se os militares conseguissem mesmo derrubar um grupo armado como Comando Vermelho, eles inevitavelmente acabariam ajudando grupos rivais, como o paulista PCC – que sem dúvida representa uma ameaça maior às instituições brasileiras do que qualquer gangue do Rio.

Até no improvável cenário em que os militares consigam acabar com o domínio territorial de um ou mais grupos armados do Rio, é evidente que a guerra contra as drogas vai continuar a fornecer incentivos financeiros para que outros tomem o lugar nesse negócio lucrativo. Além disso, deve ocorrer um “efeito balão”, que vai provavelmente dispersar as atividades criminosas em estados vizinhos. Estes, por sua vez, podem acabar pedindo ajuda militar.

O uso regular das Forças Armadas em ações de segurança e o deslocamento contínuo da Força Nacional de Segurança para os estados contribuem para manter um quadro de polícias estaduais pouco eficientes? 

O uso constante dos militares alivia a pressão dos governos estaduais em aperfeiçoar suas próprias polícias. Para piorar, a popularidade das operações militares internas até mesmo garante um impulso nos níveis de popularidade dos políticos estaduais. Chegamos ao ponto em que até os prefeitos fazem pedidos por assistência militar, mesmo que eles não tenham a prerrogativa constitucional de fazer isso (como ocorreu durante o julgamento de Lula em Porto Alegre). Essa visão de curto prazo sem dúvida não fornece uma boa base para difíceis e morosos processos de reforma.

Após essa intervenção, há algum risco de uma banalização ainda maior do uso das Forças Armadas em operações de segurança nos estados brasileiros?

Falando cinicamente, a intervenção federal está apenas formalizando o que já vinha acontecendo: o uso interno dos militares já foi banalizado, particularmente no Rio de Janeiro. As Forças Armadas se tornaram o que eu chamo de “parapolícia” – elas são permanentemente usadas para tapar os buracos das polícias estaduais. O papel proeminente no Rio vai certamente provocar mais apelos por ações militares nos estados.

A intervenção é mais um passo no processo de delegar tarefas às Forças Armadas responsabilidades que deveriam ser assumidas pelas instituições civis e pelos políticos. É uma declaração da falência das instituições democráticas. Rumores de que o recém-criado Ministério da Segurança Pública pode ser chefiado por um ex-comandante da missão de paz no Haiti são outro sinal disso tudo: quando se vê sem soluções, o governo vê os militares como uma forma popular de abordar o problema. Isso só fornece legitimidade para os grupos de extrema direita marginais que consideram os militares como uma solução para os problemas do Brasil.

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Fonte: Deutsche Welle 

 

srzz

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