Não há dúvida que o resíduo gerado nas cidades é um grande desafio a ser resolvido, mas pouco se fala sobre o resíduo que é gerado no campo, que tem mais peculiaridades e ganha menos atenção.

O resíduo rural doméstico tem adquirido características cada vez mais semelhantes ao urbano por conta de mudanças no padrão de consumo dessa população e ao melhoramento do acesso e proximidade aos centros urbanos. No entanto, nas áreas rurais os serviços de coleta pública são bem mais escassos, tornando o morador dessas áreas responsável por destinar seus próprios resíduos, muitas vezes de maneira inadequada.

Os dados do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010 mostraram que 85% da população brasileira reside em áreas urbanas e 15% em áreas rurais. Na maioria das regiões brasileiras, o serviço de coleta para o lixo doméstico rural é bastante deficitário. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada em 2000 pelo IBGE dentre os domicílios localizados na zona rural apenas 13,3% dispunham de serviços públicos essenciais como o serviço de coleta pública de resíduos, o percentual das áreas que dispunham de coleta seletiva é praticamente insignificante. Em dados mais recentes publicados no Plano Nacional de Resíduos Sólidos a coleta de lixo em áreas rurais no Brasil cobre apenas 31,6% dos domicílios de acordo com pesquisa realizada também pelo IBGE.

Além do resíduo gerado dentro das casas a produção agrícola gera recicláveis, orgânicos e perigosos: embalagens de agrotóxicos e fertilizantes, esterco de animais, insumos veterinários, entre outros, dependendo das atividades realizadas em suas dependências. Frente a ausência ou insuficiência do serviço de coleta, são diversas as destinações para as diferentes fontes de resíduos, sendo estes segregados ou não.

Os resíduos inorgânicos, em especial os perigosos, necessitam de um destino adequado para que possam ser tratados corretamente. A separação da matéria orgânica e inorgânica, que em alguns casos já está incorporada a rotina dos moradores que tem mais condição de solucionar o resíduo orgânico gerado tanto na produção como dentro das casas, mas o reciclável muitas vezes é queimado ou enterrado pois na perspectiva dos moradores não há outra alternativa, já que a coleta não chega nas propriedades afastadas dos centros urbanos. Ainda segundo o Censo 2010 cerca de 58,1% da população do campo utiliza a queima para solucionar resíduos, mesmo sendo proibido por lei.

Já os resíduos orgânicos podem e muitas vezes são tratados e reaproveitados nas propriedades rurais mas tambem são simplismente enterrados. Alguns problemas podem surgir  do aterramento desse material na propriedade sem qualquer tipo de tratamento: a penetração do chorume modifica as condições físicas, químicas e biológicas do solo e do lençol freático, alem de gerar gases tóxicos como o metano. Os processos de adubação verde e compostagem, minimizam esses possíveis impactos negativos, uma vez que obtém-se adubo orgânico como produto, absorvido pelas espécies vegetais sem gerar excesso de matéria orgânica no solo. A alimentação animal com excedentes de comida é tambem uma pratica bem comum nessas áreas.

A maior peculiaridade dos resíduos em áreas rurais, são os insumos agrícolas considerados produtos tóxicos cujas embalagens são consideradas resíduos perigosos. A Política Nacional Resíduos Sólidos determina que agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso são obrigatoriamente gerenciados por “sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes”. O Brasil é maior consumidor mundial de agrotóxicos segundo o SINDAG (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola).

Cerca de 95% das embalagens primárias são recolhidas do campo e enviadas ao destino ambientalmente correto no Brasil. Verifica-se certa eficácia da logística reversa que envolve os participantes do segmento de agrotóxico (fabricantes, revenda, agricultores e poder público). No entanto, não é encontrada a mesma eficácia de destinação adequada de outros resíduos sólidos agrosilvopastoris inorgânicos como fertilizantes e de medicamentos veterinários.

O sucesso da logística reversa de embalagens de agrotóxicos está aí pra mostrar que uma transformação nesse cenário é possível. E que os riscos de contaminação por descarte inadequado nas propriedades onde são cultivados os alimentos que comemos podem ser eliminados. A solução é complexa mas possível. A educação ambiental para o descarte adequado de todos os resíduos gerados nas propriedades rurais pode significar economia para os municípios e para os agricultores. A utilização da materia orgânica para produção de adubo, a coleta seletiva de materiais reciclaveis para o desenvolvimento de cooperativas e industrias bem como a logistica reversa de resíduos perigosos são ações que fechariam o ciclo da economia circular rural.

Por Marina Teles Noguti

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