Fonte: Página 22
Quando essas embalagens adquirem valor nutritivo, o problema do descarte de lixo é resolvido e elas passam a contribuir para a segurança alimentar. Mas ainda há resistências.
Em uma cena do antológico A Fantástica Fábrica de Chocolate, Willy Wonka/Gene Wilder toma chocolate quente no seu jardim de delícias açucaradas. Ao final, dá uma mordida na xícara em forma de flor, para inveja da audiência. A rede americana de fast-food KFC resolveu materializar essa fantasia. Passou a servir café em xícaras feitas de biscoito e embrulhadas em um papel à base de açúcar nas suas lojas na Grã-Bretanha. Mas o pulo do gato é o forro do copo, uma camada de chocolate branco resistente ao calor, que mantém o café quente e o biscoito seco. É uma oferta por tempo limitado, mas que serve de marco do progresso da indústria de embalagens comestíveis e biodegradáveis.
Plástico filme, garrafas PET e outras embalagens plásticas protegem os alimentos e garantem sua higiene. Mas eles perdem sua razão de ser logo após a compra e acabam quase sempre em aterros, lixões ou no ventre de animais. Quando essas embalagens adquirem valor nutritivo, o problema do descarte fica resolvido e elas passam a contribuir para a segurança alimentar. O conceito abriu o apetite de muitas empresas ao redor do mundo.
Uma delas é a WikiFoods, criada por David Edwards, professor de Bioengenharia na Universidade Harvard. Ele desenvolveu o WikiPearl, um envoltório composto de micropartículas digeríveis que imita a casca de frutas, com possibilidades quase ilimitadas de aplicação. Ele pode proteger produtos tão díspares quanto queijos e bebidas alcoólicas e já embala uma marca de frozen yogurt distribuída no mercado americano.
Outro exemplo interessante vem da Inglaterra. A Pepceuticals é uma das empresas envolvidas em um projeto colaborativo europeu que está investindo 1,6 milhão de euros no desenvolvimento de uma embalagem comestível que proteja cortes de carne e aumente o seu prazo de validade. Pense na comodidade de envoltórios temperados com sal, pimenta ou alecrim. Também são dignos de nota os empreendimentos da americana Loliware (copos de vidro à base de ágar, um tipo de alga), da belga Do Eat (pratos descartáveis feitos de batata) e da australiana Plantic (bandejas feitas com biopolímero de milho – quem provou disse que tem gosto de pão amanhecido).
Mas um dos conceitos mais fascinantes vem da Espanha. Os designers Rodrigo García González, Guillaume Couche e Pierre Yves criaram a premiada Ooho, uma esfera com jeitão de prótese mamária de silicone, capaz de conter o volume de um copo d’água. Ela é confeccionada com material extraído de algas marinhas e pode ser produzida em casa, na linha faça-você-mesmo, seguindo técnica divulgada pelos criadores do conceito.
No Brasil, uma das primeiras a explorar as possibilidades comestíveis das embalagens foi a rede de lanchonetes Bob’s. Em 2012, o grupo promoveu a campanha-relâmpago “Não dá pra controlar”, em que vendeu hambúrgueres envoltos em um papel de arroz, como o usado na culinária vietnamita.
Embora tais iniciativas tenham ganhado visibilidade apenas nos últimos cinco anos, elas se sustentam em décadas de pesquisas acadêmicas. Pasta de mandioca e amido de milho têm sido manipulados e prensados nos mais diferentes formatos há décadas, inclusive nas universidades brasileiras. Embalagens comestíveis foram tema de estudo em todas as latitudes do País, da Universidade Católica de Campo Grande à Universidade Estadual de Londrina e ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas, o IPT, em São Paulo.
Mas pesquisadores e empreendedores esbarram em dois desafios recorrentes. O primeiro é a dificuldade de competir com as embalagens convencionais. Tome-se o caso da carioca CBPak Tecnologia, que fabrica mensalmente cerca de 2 milhões de bandejas e copos feitos de um substituto de isopor à base de amido de mandioca. Eles não são comestíveis, por ter uma camada impermeabilizante, mas são compostáveis. Hoje a empresa comercializa seus copos por um valor 10 vezes maior do que o dos equivalentes de plástico. Apesar dessa disparidade de preços, a empresa tem conseguido prosperar graças ao crescente nicho ecoconsciente.
O segundo problema é a resistência dos consumidores que consideram as embalagens comestíveis anti-higiênicas ou pouco confiáveis. O frozen yogurt embalado pela película WikiPearl tem que ser distribuído em caixas de papelão convencionais, para atrair o consumidor médio. Não precisava ser assim. Embalagens comestíveis fazem parte da culinária tradicional de inúmeras culturas.
É o caso do beiju de tapioca brasileiro, do taco mexicano, da casquinha de sorvete e das salsichas e linguiças. Fazer a conexão mental entre essas soluções e as novas embalagens comestíveis demandará um grande esforço de marketing e aculturação.